"JUVENTUDE ETERNA":
Martha Medeiros
Essa história que eu vou contar agora aconteceu com uma mulher inteligente que estava fazendo uma palestra. Diz ela: "Mês passado participei de um evento sobre o Dia da Mulher.
Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível... A platéia inteira fez um "oooohh" de descrédito.
Aí fiquei pensando: "pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?" Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado "juventude eterna".
Estão todos em busca da reversão do tempo. Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.
Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se mudança. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.
A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa? Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.
Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos. Rejuvenesceu.
Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol. Rejuvenesceu.
Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.
OLHE-SE NO ESPELHO...
"O MEU ÚLTIMO HOMEM":
Ana Maria Gonçalves
Quando o meu último homem chegar
Vai me encontrar alerta
Armada de mil argumentos
Disposta a não mais amar
A porta semi-aberta
Mas com placa de 'Não Perturbar'.
Vai fazer uma reverência lenta
Respeitando as dores do meu coração
Mas vai ignorar o aviso
E usando como chave um sorriso
Invadir meu jardim
E fechar por dentro o portão.
Vai espreitar pela janela
Uma leve batida para não me assustar
Vai sentar-se à varanda
E perder-se a me olhar.
Vai fazer-se de velho amigo
Embaralhar suas memórias, como se fossem comigo
Aceitar um café e oferecer-se para ir buscar.
Quando meu último homem chegar
Aquecendo a vida entre os dedos
Perguntando porquê antes de nós
Passaram-se tantos dias assim
Vai roubar para ele meus segredos
E entregar os dele pra mim.
Vamos falar primeiro das flores,
Da época de poda do roseiral
Dos espinhos, passaremos às dores
E entre impossíveis e risíveis amores
Ele vai me contar das afrontas
Das mulheres que se diziam prontas
Mas que a vida tratou de medrar.
Vai me falar em especial sobre uma delas
Aqueles casos que não têm porquê acabar
Talvez só para eu ficar sabendo
Que o coração que agora me cabe
Já foi capaz de muito amar.
Vai respeitar meu silêncio enquanto penso
No que ela pode ser melhor que eu
E antes que eu me desmereça
Vai pousar um olhar no meu medo
Pintar nos meus olhos um futuro distante
Fazer-se meu, até perder de vista
Até fazer sumir do foco
Todos os que já vieram antes, pois :
- Em cada amor, meu amor, as coisas são diferentes.
E em meio a ervas daninhas
Vai arrancar lágrimas que eram só minhas
Mas que ele promete nunca mais deixar brotar.
Quando meu último homem chegar
Vai me embalar nas suas histórias
Vai puxar pra perto minha cadeira
E feita criado-mudo na cabeceira
Me dar seus sonhos pra eu guardar.
Vai trazer no bolso uma flor
Dessas do campo, que se dá sem ninguém cuidar
Emaranhá-la nos meus cachos
Chegar perto para um cheiro
E inundar-me os ouvidos com seus achos
Dizer - Porque sim, isto de amor
Acho que não tem que explicar.
Antes que meu último homem me beije
Fará das palavras dedos longos
A percorrer-me os contornos
Eriçar-me os entornos
Pedindo para eu nada dizer.
Quando este homem tomar-me as mãos entre as suas
Eu vou esquecer o cansaço
De ter estado a lhe procurar
E por todos os outros que beijei
Por todos os prazeres que lhes dei
Só vou me sentir agradecida
Por nada terem feito
A não ser me preparar.
Meu último homem terá assim um olhar
Daqueles que eu não consigo desviar
Rirá de mim, por mim, comigo, de si
Encherá meu mundo de um riso sem motivo
Estas coisas bobas de tão boas
Que fica só entre os amantes
E ninguém tem coragem de contar.
Esse meu último homem
Perguntará que músicas eu tenho, pra combinar
Encherá o ar de suspiros amiúde
Dançará comigo
Deixando o corpo afastado e rente
A brincar ...
E só então vai me dar um beijo
Lento, longo, possesso, posseiro
E daí pra frente eu não responderei por mim
Só lembrarei dele fazendo um carinho
Meu último homem,
Não me dará direito a frescores
Manterá em brasa meus pudores...
Quando este homem me despir
Contemplará minhas imperfeições
Achando as coisas mais lindas de se olhar
Mandará buscar nos meus sonhos infantis
As fábulas, os contos, os encantos
E todos os sonhos a que faço jus.
O que este homem quer de mim
É a fêmea,
Menina faceira
Cabocla trigueira
Gueixa submissa
...
Dançarina única do harém.
E o que eu mais quero nele
É em mim, o que ele quer também:
Eu sempre junto dele, como sua última mulher.
Amém.